sábado, 10 de dezembro de 2022

N´O Bichinho de Conto

A livraria mais bonita do mundo fica numa antiga escola primária no cimo de um monte, em Óbidos. Chama-se "O Bichinho de Conto" e faz este mês 20 anos! É criação da Mafalda Milhões, concentrado de criatividade explosiva num corpo minuto de mulher, mãe, livreira, editora, curadora, ilustradora e mediadora de leitura.
Qualquer altura do ano é boa para subir ao monte e visitar a livraria, mas por estes dias tudo se combina para fazer dessa visita uma experiência inesquecível. Para além dos livros maravilhosos, está patente a exposição de ilustração "Coisas que gostam de coisas e outras coisas simples onde mora a poesia", da Rachel Caiano, e foi pensada uma bonita programação para celebrar o aniversário. Para estar a par de todas as atividades, basta acompanhar a livraria nas redes sociais. Mas se não puder ir a Óbidos, a livraria online já está a funcionar. Ora, espreite o link no início desta publicação!


No passado dia 2 de dezembro, foi lá que estive a trabalhar. De manhã, numa ação de formação / conversa a meias com a Mafalda sobre poesia, ilustração, literatura infantil, seleção de acervos e mediação de leitura, para alunas do 5º ano do Mestrado Educação Pré-Escolar e Ensino do 1º CEB da Escola Superior de Educação de Leiria, que visitaram pela segunda vez a livraria com o professor Miguel Oliveira. À tarde, com um Pequeno Laboratório Poético (bilingue) para um grupo de famílias em Ensino Doméstico. Pelo meio, realizei um sonho antigo e senti-me pela primeira vez livreira: que bom que foi escutar as necessidades e os desejos de várias leitoras e ajudá-las a encontrar os livros certos para elas naquele momento. À Mafalda e à Inês Cardoso, a minha gratidão pelo convite, pelas fotografias e pelo lindo dia de trabalho, amizade e sintonia!








domingo, 27 de novembro de 2022

VIVA O BLOGUE! 10º ANIVERSÁRIO DO PEQUENO ARMAZÉM DE PALAVRAS

 




Querido blogue, 

Obrigada por estes 10 anos! Tens sido um fiel armazém das minhas palavras. Embora pequeno, tens-me dado a possibilidade de crescer. Ao alinhavar as linhas e as ideias que aqui vou deixando, vou também traçando o meu caminho como pessoa e como profissional.

Há exatamente 10 anos comecei a habitar esta minha casa virtual. A primeira publicação foi escrita de forma impulsiva, com o entusiasmo de uma mala cheia de livros que iria partilhar dali a poucas horas com pais do agrupamento de escolas da minha cidade. Embora estivesse a trabalhar no projeto Cata Livros, da Fundação Calouste Gulbenkian, com o Miguel Horta, desde o início do ano, o dia 27 de novembro de 2012 foi diferente, pois o convite da prof. bibliotecária Sílvia Costa para conversar sobre leitura e literatura com os encarregados de educação confirmou a minha esperança no trabalho como mediadora de leitura independente numa pequena cidade do litoral alentejano. Este primeiro post foi um grito de fé. 

Graças a ti, tenho aprendido tanto. Quase todas as publicações levam muito tempo, comportam leitura e investigação, reflexão e, depois, a escrita, que, no meu caso, é sempre demorada. Começo sempre por um (ou mais) rascunho(s) num dos meus cadernos e vou editando e transformando ulteriormente à medida que no computador escrevo, finalmente, cada texto. 

Às vezes, sinto que não vale a pena continuar a escrever e paro. Escrever (publicamente) tem disto: entusiasmos, momentos de descrença, síndrome de impostor, medo de arriscar... Mas, depois, lembro-me de todos os convites de trabalho que me chegaram e de todas as pessoas que conheci (muitas são hoje amigas) graças a estas palavras e imagens que aqui vou partilhando, e recordo, sobretudo, o que me disse uma vez uma grande amiga, mediadora também: "A tua voz é necessária." As nossas vozes são necessárias. É essa fé que me move como mediadora da leitura e da escrita. É para que os jovens leitores e escritores com quem trabalho acreditem na sua voz e expressem a sua visão íntima e pessoal do mundo e dos livros que trabalho.

Querido(a) leitor(a), 

Continuo a acreditar que é importante cuidar desta casa virtual. Quero fazê-lo com um compromisso renovado para contigo, para que te sintas sempre bem recebido no Pequeno Armazém de Palavras, para que te sintas em casa, num lugar de leitura construído também a pensar em ti. Para isso, estamos a tratar de algumas mudanças. Creio que te agradarão. Em breve darei mais notícias.

Antes de terminar, queria agradecer-te por me visitares. Às vezes, o trabalho de uma mediadora da leitura e da escrita que trabalha por conta própria é bem solitário. Escrever no blogue é como conversar contigo, querido(a) leitor(a). Juntamente com as caminhadas com uma amiga quase irmã e os telefonemas ou videochamadas com as amigas que moram longe, estas palavras que aqui partilhamos são mais do que companhia, têm um poder salvífico. Obrigada!


Um abraço, 
Paula

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

10 ANOS DE GRANDES HISTÓRIAS PARA PEQUENOS LEITORES

Na semana passada comecei mais uma temporada das GRANDES HISTÓRIAS PARA PEQUENOS LEITORES. O primeiro dos 18 encontros em 2022/ 2023. Será o 11º ano letivo consecutivo no Jardim de Infância "O Sabichão" deste que é o meu projeto continuado mais antigo.



Dez anos passados, há muitos agradecimentos a fazer:

Primeiro à Carminho Rodrigues, a diretora d'O Sabichão, que há 11 anos me contactou para eu ir contar histórias mensalmente aos alunos do pré-escolar, e que aceitou a minha contraproposta (custeando-a no primeiro ano) de um verdadeiro projeto de mediação da leitura com pequenos leitores.  

São pequenos só pelo tamanho, pela idade, já que são, na verdade,  Leitores capazes de grandes leituras. Não me parece que o termo pré-leitores seja o mais correto e ainda não encontrei um que me satisfaça plenamente. Já discuti este assunto várias vezes com outras mediadoras que também não concordam com esta designação, como a Maria José Mackaj, e noutras ocasiões com a Mafalda Milhões e a Cristina Taquelim, e nunca chegámos a um consenso. Também não me agrada o termo leitor emergente. Nesta fase do seu desenvolvimento, embora as crianças ainda não dominem a descodificação pertinente à alfabetização, já são capazes de realizar uma série de operações por vezes muito complexas de construção de sentido a partir dos elementos paratextuais (capa, contracapa, guardas,  formato, materialidade, etc), das ilustrações e do texto que lhes é lido em voz alta pelo adulto. E isso é já ser leitor de pleno direito.  O conceito de leitura a partir do qual trabalho tem mais a ver com a construção de sentido do que com a alfabetização, isto é, com a noção de Poder e querer ler. Mas esta conversa daria outro post. Avancemos!

Depois à Educadora Maria João Machado, parceira e cúmplice desde a primeira hora. A João entende a natureza deste trabalho que passa pela observação pormenorizada, pela releitura, pelas conversas demoradas, pela escuta atenta por parte dos adultos do que têm para dizer as crianças, num Tempo lento, feito de coisas pequenas e de livros de grande qualidade estética e literária. Entende, valoriza e amplia esse trabalho, no tempo entre os nossos encontros.

Às auxiliares, nos primeiros anos, a Sofia, e, depois, a Bete, pela ajuda constante e pelos olhos deslumbrados pelos leitores e pelos livros.

Às famílias, por acreditarem na importância das GRANDES HISTÓRIAS PARA PEQUENOS LEITORES e continuarem a escolher e a pagar este projeto, ano após ano.  

Às crianças com quem nestes 10 anos letivos, no JI O Sabichão, nos temos maravilhado, lido, relido com grande atenção, dialogado e construído sentidos para os livros e para a vida. Tantas conversas profundas em redor dos livros! Com estas crianças tenho aprendido a ver / ler melhor, a escutar. Com elas aprendi que nunca se é pequeno demais para contemplar o mundo e a literatura e para chegar ao âmago das Grandes Histórias e das questões que as habitam.

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

As Guardas: Guardas de Tesouros XXXIX

É este espaço livre e aberto à imaginação dos leitores que quero celebrar. Deixo aqui, todas as semanas, uma ou duas imagens das guardas iniciais e finais de um livro. Num silêncio atento e deslumbrado.


guardas iniciais

guardas finais


Que planeta é este?
Eduarda Lima
Orfeu Negro (col. Orfeu Mini)

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

As Guardas: Guardiãs de Tesouros XXXVIII


É este espaço livre e aberto à imaginação dos leitores que quero celebrar. Deixo aqui, todas as semanas, uma ou duas imagens das guardas iniciais e finais de um livro. Num silêncio atento e deslumbrado.


guardas iniciais

guardas finais


C'era una volta una bambina
Giovanna Zoboli e Joanna Concejo
Topipittori

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

As Guardas: Guardiãs de Tesouros XXXVII


É este espaço livre e aberto à imaginação dos leitores que quero celebrar. Deixo aqui, todas as semanas, uma ou duas imagens das guardas iniciais e finais de um livro. Num silêncio atento e deslumbrado.


guardas iniciais
guardas finais

al museo
Susanna Mattiangeli e Vessela Nikolova
Topipittori

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Oficina de Leitura e Escrita por correspondência


uma das cartas da OLE 


A OFICINA DE LEITURA E ESCRITA (OLE) é um projeto de mediação da leitura e da escrita que desenvolvo na minha cidade, num espaço próprio, desde outubro de 2014, com pequenos grupos de crianças e jovens (do 3º ao 9º ano). Vai entrar agora no seu 9º ano consecutivo. Já aqui escrevi acerca da OLE mais do que uma vez. 

A pandemia (sobretudo, os confinamentos a que nos forçou) levou-me a considerar trabalhar de outra forma que não a presencial. Em março de 2020 decidi suspender as oficinas de leitura e escrita, pois não podíamos estar juntos a ler e a escrever na Casa das Palavras; eu achava o online frio e impessoal, por isso acreditava que não era possível replicar virtualmente esse lugar de leitura; e a verdade é que, como todos, pensava que estaríamos apenas poucas semanas afastados.  Ao constatar que o período de confinamento se alongava desmesuradamente, enviei cartas (sim, cartas em papel, as primeiras escritas à mão, e entregues pelo carteiro) às crianças e jovens para saber como estavam, o que faziam, como se sentiam, e contar o que era de mim. 

Em outubro de 2020 retomámos com entusiasmo redobrado as sessões na Casa das Palavras, mas, passados poucos meses, em janeiro de 2021, voltámos a ficar fechados em casa. Desta vez, porém, eu tinha tido tempo para pensar numa alternativa, uma forma diferente de fazer a OLE, à distância, mas não por isso menos próxima e calorosa: por correspondência. Para além das cartas que trocámos, também tivemos algumas sessões online, visto que o confinamento parecia não ter fim. Correu tudo muito bem. A verdade é que as cartas e as palavras que continham nos tinham aproximado muito mais.  Mais, de 15 em 15 dias, durante o período de confinamento, lá ia eu entregar, a casa de cada um dos alunos, livros, cadernos da oficina lidos e comentados, desafios de leitura e escrita, e as cartas.
Funciona, e muito bem, a Oficina de Leitura e Escrita por correspondência. 

Por isso, quando hoje recebi uma mensagem de uma antiga leitora / escritora da Casa das Palavras, que me dizia que estava quase a iniciar o 11º ano de escolaridade, que me contava das saudades que tivera das nossas terças-feiras de escrita e que estava decidida a que essa sede de escrever não permanecesse este ano, decidi que a OFICINA DE LEITURA E ESCRITA POR CORRESPONDÊNCIA iria regressar como projeto autónomo, para quem não pode, seja por que motivo, frequentar o nosso lugar de leitura habitual e gosta de saborear as palavras e o tempo lento dos tesouros contidos nos envelopes de papel.

Todas as informações serão fornecidas aos interessados através do seguinte endereço eletrónico:
paula.cusati@gmail.com


(Nas fotografias, uma das cartas por mim enviadas.) 

carta enviada a uma das alunas da OLE no 2º confinamento


Aqui um excerto:


Maria, estou muito feliz com a tua participação na OLE à distância. Vejo-te bem-disposta, interessada e sempre com vontade de pensar e descobrir coisas novas. Também gostei muito de receber a tua carta e ler as tuas reflexões e novidades. Fico feliz por saber que estás a gostar dos livros.

Juntamente com a carta, recebes mais dois textos. Desta vez não os leias nem coles no caderno da OLE antes do nosso próximo encontro online.  Para além disso, vão no saco mais dois livros que escolhi para ti. Espero que te agradem. Lê-os à vontade. Não terás que responder a quaisquer perguntas ou desafios sobre estes livros.  São para a tua leitura autónoma.

Tenho uma surpresa para ti, para que possas constatar que um jardim pode assumir muitas formas. Talvez reconheças esta folha. É de uma Ginkgo Biloba.  Esta repousava aos pés da sua árvore-mãe numa das ruas de Santiago, já dourada pelo outono. Pensei que era uma pena deixá-la ali abandonada, à mercê das intempéries. Trouxe-a para casa e dei-lhe outro lar, entre as páginas de um dos meus livros. Hoje abri esse livro, e de dentro dele a folha veio a esvoaçar para perto do meu computador. Pensei: “Vou oferecê-la à Maria, pois um jardim também pode morar entre as páginas de um livro ou de um caderno. Nos meus moram folhas de Ginkgo Biloba, sardinheiras, ervilhas-de-cheiro, flores de alfazema…” Que esta folha possa ser o início de um jardim que habita os teus livros ou cadernos. Se quiseres, podes mesmo construir um herbário, ou, se já tens um, juntá-la à tua coleção. Abre bem os olhos! A cada passo que dás, descobrirás maravilhas.  

                                                                                                                                        Um beijinho, 

                                                                                                                                                Paula

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Um desejo para o novo ano letivo




dente-de-leão; dandelion; soffione



Hoje, Dia Internacional da Literacia, nas vésperas do início de um novo ano letivo, sopro
e peço o meu desejo:

Que todas as escolas sejam verdadeiros lugares de leitura!


 Porque a educação e a literacia são mais necessárias do que nunca, após dois anos de pandemia e com o consequente agravamento das desigualdades a todos os níveis, num mundo assolado pelas alterações climáticas, pela desinformação e pelo populismo, pela guerra. 

Porque é tempo de parar, pensar no que aprendemos nos últimos anos e fazer diferente, fazer melhor.

Porque há que pensar os lugares de leitura como sistemas em perpétuo movimento, em que cada elemento é fundamental e se relaciona com os restantes de forma dinâmica. Um só elemento não constitui um lugar de leitura e a falta de um dos elos desse sistema compromete enormemente a qualidade das experiências de leitura que aí acontecem.

Porque é urgente que unamos forças para pensarmos os lugares de leitura e, sobretudo, para imaginarmos e construirmos um mundo melhor para todos.

terça-feira, 6 de setembro de 2022

As Guardas: Guardiãs de Tesouros XXXVI

É este espaço livre e aberto à imaginação dos leitores que quero celebrar. Volto a deixar aqui, todas as semanas, uma ou duas imagens das guardas iniciais e finais de um livro. Num silêncio atento e deslumbrado.




                                                     Mudar, Ana Ventura, Pato Lógico.

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Ecos Andarilhos II



Tendo dito o anterior (e que era devido), concentro-me agora especificamente nestas Palavras Andarilhas de 2022. Em primeiro lugar, um aplauso à equipa da Biblioteca de Beja / CM de Beja e ao curador desta edição, Jorge Serafim, por, num contexto (pós-)pandémico de retoma dos eventos culturais e com um orçamento, imagino, cada vez mais magro, nos terem brindado com uma bela edição. 
Apesar de haver menos Andarilhos do que em anos anteriores (tal como já se tinha verificado em Pombal, em Junho), a alegria do reencontro dos que vieram era intensa e genuína. Muita a vontade de rever amigos, escutar e aprender. Largo o abraço de quem os recebeu.
Não consegui ver nem escutar tudo, pois este ano estive, na qualidade de membro da Chão Nosso, Crl, a ajudar no espaço que nos foi atribuído no Jardim Público de Beja. Foram boas as conversas tidas e escutadas, no nosso canteiro e em todos os espaços das Palavras Andarilhas. Houve também sessões de contos que me ficarão na memória para sempre. Houve sorrisos e lágrimas, danças antigas e retratos à la minuta, histórias e livros, contadores, escutadores e leitores. 
Só senti falta de uma zona de livreiros mais próxima (isto é, de tê-los mais próximos uns dos outros e de nós, leitores) e de mais livros / leituras para adolescentes. Havia demasiados livros-álbum, em meu entender. 
Como sempre, venho de Beja com perguntas importantes:
A primeira, da boca do Luís Carmelo, na mesa sobre a simbologia dos contos para o século XXI:
- Que contos / histórias fazem sentido nestes tempos? Que histórias deverei contar? Quais as que deixarei de contar?
A segunda, do que vivenciei ao longo dos três dias, e que me acompanha desde sempre, e dá o título a uma das minhas acções de formação: 
- Como mediar leituras cultivando leitores curiosos, críticos e reflexivos (logo, autónomos)? 

Continuo a questionar-me e a pensar. Também isso devo à Cristina Taquelim: nunca me acomodar. Obrigada, mestra!

Ecos Andarilhos I



 

A 16ª edição das Palavras Andarilhas marca um novo rumo para este Festival da Palavra lida, escutada e contada. Desde o primeiro momento, em 1999, as Palavras Andarilhas sempre tiveram na figura da Cristina Taquelim a sua grande artífice (inicialmente, ao lado do grande Figueira Mestre - até à sua morte). E esta foi a primeira edição sem a Cristina na programação e produção das Andarilhas.

Por estar a viver em Itália (de 1999 a 2006), apenas em 2007 comecei a ser Andarilha. Desde aí, nunca mais deixei de ir a esse "grande momento de aprendizagem coletiva, em torno da promoção da leitura, da narração oral e da literatura." Assisti, assim, a 8 destas 16 edições, e constatei como, de cada vez, o Festival se ia transformando e melhorando, como o pensamento que lhe dava estrutura e sustento era dinâmico e, sobretudo, guiado pela atenção às necessidades da população do concelho de Beja e pela busca da melhor forma de serviço público. A saída da cave da Biblioteca José Saramago para a Praça da República e depois para o Jardim Público, onde ainda permanece, revelam a preocupação de levar o festival à comunidade, de maneira a que não ficasse restrito às centenas de mediadores que vinham de todo o país para escutar e aprender com narradores, escritores, mediadores, ilustradores, tradutores, etc. Já aqui escrevi que o que vivíamos em Beja naqueles 3 dias dava-nos alento para o ano inteiro.

Todos os fios invisíveis que uniam as diferentes áreas de programação no desenho dos inúmeros eventos expositivos, formativos e performativos eram tecidos pelas sábias mãos da Cristina Taquelim. Em ninguém como nela vi (e vejo) um entendimento da promoção de leitura como um compromisso cívico, e como um todo, pensado de forma transversal. As exposições (muitas delas com a curadoria da Mafalda Milhões) inauguradas na cave por altura das Palavras Andarilhas eram lugares de leitura para o trabalho com escolas e famílias durante todo o ano letivo seguinte. Os conferencistas e os especialistas convidados a dinamizar as oficinas eram chamados pela sua competência em campos específicos, de modo a ajudar a pensar e suprir necessidades reveladas no trabalho de mediação do ano anterior ou como sustento para novos projetos a implementar. Ali escutámos tantas pessoas importantes para o nosso crescimento pessoal e profissional (nomeá-las a todos seria quase impossível, dada a vastidão da lista de participantes de cada edição).

Em suma, todos nós, mediadores de leitura e narradores portugueses, somos devedores à Mulher-Palavra, pelo tanto que com ela aprendemos e pelo seu exemplo. Solto daqui o meu aplauso à grande Cristina Taquelim, que deixou no final de 2019 a função pública, mas nunca deixou o serviço público. E acho uma injustiça que a tenham nomeado tão poucas vezes no palco das Andarilhas deste ano.

Que as novas Palavras Andarilhas saibam honrar o seu legado.

domingo, 7 de agosto de 2022

Ana Luísa Amaral (1956-2022)

Morreu ontem Ana Luísa Amaral. Bem sei que a obra permanece, mas quando morre um poeta, o mundo fica mais cinzento e menos nítido. A notícia brusca da sua morte trouxe-nos um sentimento de orfandade. 




Numa entrevista ao Expresso, publicada originalmente a 29 de maio de 2019 e agora reproposta no site do jornal, a poeta dizia:

"A poesia de facto não serve para nada, não tem uma aplicação prática. Com a poesia não se faz uma mesa, não se constrói uma casa. Mas ela é absolutamente fundamental, porque, como toda a arte, assiste-lhe não o pragmatismo, mas o simbólico, e nós, humanos, precisamos do simbólico, que passa sempre pela nossa relação com os outros. Precisamos dele como precisamos de comer ou de dormir."

 

Ao longo do dia de ontem, a sua obra foi tomando conta do Facebook, pelo menos de muitas das pessoas que sigo. E fui lendo e relendo e senti-me menos órfã. É muito bonito ver que poemas seus escolhem para a homenagear! Quis guardar aqui alguns desses poemas, bem como os links para programas de rádio e de televisão com Ana Luísa Amaral, para a ela e à sua poesia poder mais facilmente regressar. 

Na impossibilidade de colocar aqui todos, escolhi 3 desses poemas:


Testamento

Vou partir de avião
E o medo das alturas misturado comigo
Faz-me tomar calmantes
E ter sonhos confusos

Se eu morrer
Quero que a minha filha não se esqueça de mim
Que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada
E que lhe ofereçam fantasia
Mais que um horário certo
Ou uma cama bem feita

Dêem-lhe amor e ver
Dentro das coisas
Sonhar com sóis azuis e céus brilhantes
Em vez de lhe ensinarem contas de somar
E a descascar batatas

Preparem minha filha para a vida
Se eu morrer de avião
E ficar despegada do meu corpo
E for átomo livre lá no céu

Que se lembre de mim
A minha filha
E mais tarde que diga à sua filha
Que eu voei lá no céu
E fui contentamento deslumbrado
Ao ver na sua casa as contas de somar erradas
E as batatas no saco esquecidas
E íntegras.




Prece no Mediterrâneo


Em vez de peixes, Senhor,
dai-nos a paz,
um mar que seja de ondas inocentes,
e, chegados à areia,
gente que veja com coração de ver,
vozes que nos aceitem
É tão dura a viagem
e até a espuma fere e ferve,
e, de tão alta, cega
durante a travessia
Fazei, Senhor, com que não haja
mortos desta vez,
que as rochas sejam longe,
que o vento se aquiete
e a vossa paz enfim
se multiplique
Mas depois da jangada,
da guerra, do cansaço,
depois dos braços abertos e sonoros,
sabia bem, Senhor,
um pão macio,
e um peixe, pode ser,
do mar
que é também nosso.

(do mural da escritora Irene Vallejo)



Lugares comuns

Entrei em Londres
num café manhoso (não é só entre nós
que há cafés manhosos, os ingleses também
e eles até tiveram mais coisas, agora
é só a Escócia e um pouco da Irlanda e aquelas
ilhotazitas, mas adiante)
Entrei em Londres
num café manhoso, pior ainda que um nosso bar
de praia (isto é só para quem não sabe
fazer uma pequena ideia do que eles por lá têm), era
mesmo muito manhoso,
não é que fosse mal intencionado, era manhoso
na nossa gíria, muito cheio de tapumes e de cozinha
suja. Muito rasca.
Claro que os meus preconceitos todos
de mulher me vieram ao de cima, porque o café
só tinha homens a comer bacon e ovos e tomate
(se fosse em Portugal era sandes de queijo),
mas pensei: Estou em Londres, estou
sozinha, quero lá saber dos homens, os ingleses
até nem se metem como os nossos,
e por aí fora...
E lá entrei no café manhoso, de árvore
de plástico ao canto.
Foi só depois de entrar que vi uma mulher
sentada a ler uma coisa qualquer. E senti-me
mais forte, não sei porquê mas senti-me mais forte.
Era uma tribo de vinte e três homens e ela sozinha e
depois eu
Lá pedi o café, que não era nada mau
para café manhoso como aquele e o homem
que me serviu disse: There you are, love.
Apeteceu-me responder: I’m not your bloody love ou
Go to hell ou qualquer coisa assim, mas depois
pensei: Já lhes está tão entranhado
nas culturas e a intenção não era má e também
vou-me embora daqui a pouco, tenho avião
quero lá saber
E paguei o café, que não era nada mau,
e fiquei um bocado assim a olhar à minha volta
a ver a tribo toda a comer ovos e presunto
e depois vi as horas e pensei que o táxi
estava a chegar e eu tinha que sair.
E quando me ia levantar, a mulher sorriu
como quem diz: That’s it
e olhou assim à sua volta para o presunto
e os ovos e os homens todos a comer
e eu senti-me mais forte, não sei porquê,
mas senti-me mais forte
e pensei que afinal não interessa Londres ou nós,
que em toda a parte
as mesmas coisas são.

(do mural da professora Guilhermina Rebocho)



Graças às maravilhas da tecnologia, podemos continuar a escutá-la em algumas moradas virtuais, como, por exemplo:

- os 255 episódios (de cerca de 15 minutos) disponíveis desse verdadeiro curso de poesia do mundo que é o programa "O som que os versos fazem quando abrem", onde Ana Luísa Amaral conversa com Luís Caetano sobre poesia.

- os primeiros 46 minutos da conferência Vale a pena ler, Festival Antena 2, em 2017.

- o podcast do Encontro de Leituras, o clube conjunto do jornal Público com o brasileiro Folha de S. Paulo.

- o episódio de 15 de julho de 2022 de A Ronda da Noite, em que conversa com Luís Caetano a propósito do seu último livro, O olhar diagonal das coisas. 

- a Grande Entrevista, que passou ontem na RTP3.

terça-feira, 19 de julho de 2022

O valor da lentidão

 


Em Elogio da Lentidão, pequeno ensaio de Lamberto Maffei (o primeiro dos 3 publicados pelas Edições 70, a que se seguiram O Elogio da Palavra e O Elogio da Rebeldia), o médico, neurobiólogo e investigador italiano convida-nos a refletir acerca da importância do pensamento lento na era da velocidade e da abundância estonteante de estímulos visuais e  cognitivos. Sem demonizar o pensamento rápido, aliás ancestral e essencial à sobrevivência do ser humano, Maffei sugere que regressemos «ao ritmo lento da linguagem falada e escrita». Pois será que desejamos apenas sobreviver? 

Recorda-nos que se o ócio (do latim otium,  contraposto «à palavra negotium, "negócio", entendida como atividade laboral») adquiriu uma interpretação negativa, associado à preguiça e à passividade, na verdade era, na essência, «entendido como tempo livre para a reflexão, para o estudo, para o pensamento». Na época da pressa e dos números, tempo de valor incalculável para todos nós, mas ainda mais fulcral para os criativos e para quem trabalha nas áreas da educação e da cultura, diria eu. Este pensar que antecede o fazer. O pensamento ligado ao raciocínio, à memória, à dúvida, à exploração, à reflexão e à crítica, e que é, necessariamente, lento. O pensamento do encontro, do diálogo e da leitura profunda.

Lamberto Maffei convoca outros autores, como Italo Calvino (Seis propostas para o próximo milénio: Lições Americanas), Daniel Kahneman (Pensar, depressa e devagar), Zygmunt Bauman (vários) e Martha Nussbaum (Sem fins lucrativos: Porque precisa a democracia das humanidades), levando-nos inevitavelmente a (revisitar) outras leituras e reflexões.

Achei particularmente interessantes os capítulos "IV - Bulimia de consumos, anorexia de valores" e "V - Criatividade". Primeiro, pela consciencialização de que «o consumismo é filho do pensamento rápido, pois também o consumo deve ser rápido para mudar o desejo de forma igualmente rápida e voltar a comprar» e que a formação de cidadão críticos levaria quase certamente à defesa de «uma economia da sobriedade e da sustentabilidade.» Depois, pelo alerta sobre aquilo que Maffei designa um cérebro "globalizado" e a necessidade no mundo atual do pensamento divergente, não só do artista e do cientista, mas de todos nós. 


P.S. Esta é uma questão fulcral na minha vida pessoal e profissional. Sobre o valor da lentidão, já aqui falei em 2014: 

https://mediarleituras.blogspot.com/2014/06/rubem-alves-o-vagar-curiosidade-o-amor.html

https://mediarleituras.blogspot.com/2014/06/pedagogia-da-lentidao.html


sexta-feira, 8 de julho de 2022

UMA OFICINA DE LEITURA E ESCRITA COM O MAR POR HORIZONTE

 


«A leitura é um processo de humanização pela capacidade que oferece de linguagem, de pensamento e de reflexão. Leva a uma mudança de aspiração na vida, pois lendo você descobre que há outros caminhos, outras opções.»

Eliana Yunes



A 29 de junho de 2022 terminou o projeto (RE)MAR: UMA OFICINA DE LEITURA E ESCRITA COM O MAR POR HORIZONTE, iniciado em outubro de 2021, com os alunos do 3ºB da EB1 do Agrupamento de Escolas de Sines. 

Realizámos a última de 18 sessões na praia de Sines, fazendo jus ao título do projeto. No alto da escadaria que subimos para regressar à escola, deparámo-nos com a linha do horizonte sobre a imensidão do mar. Enquanto registávamos fotograficamente aquele momento, ao relembrar aos alunos porque decidira assim nomear a nossa oficina, refleti em como este projeto alargara verdadeiramente os horizontes de vida destas crianças. Ao ler, escrever e dialogar sobre o lido e escrito, o mundo dos alunos do 3º B expandira-se grandemente em poucos meses. Pensei nas palavras da conferência de Eliana Yunes na semana anterior no XIX Encontro de Literatura Infantojuvenil Caminhos de Leitura, em Pombal: “uma vez leitor, sempre leitor. E uma vez descoberto o segredo de saber o que não se sabia, impossível parar, a não ser por acidente”.

Estivemos um ano (letivo) inteiro envolvidos num projeto de promoção e mediação da leitura e da escrita, financiado pela candidatura de recuperação das aprendizagens, (RE)LER com a Biblioteca, da Rede de Bibliotecas Escolares, numa escola que pertence ao programa TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária): “a ver, ler, descobrir, escrever”. 

Tenho tanto a dizer e a escrever sobre este projeto! Mas isso ficará para o regresso ao trabalho após as férias de verão. Por hoje, quero apenas expressar a imensa alegria e gratidão pelo convite da professora Maria de Fátima Nunes a pensar e a dinamizar as sessões da Oficina de Leitura e Escrita com estas crianças.

A aposta feita num projeto de mediação da leitura e da escrita prolongado no tempo e com caráter regular demonstrou-se extremamente acertada. Só desta forma foi possível acompanhar o crescimento dos alunos enquanto leitores e escritores e construir uma relação de confiança, cumplicidade e afeto entre a mediadora e as crianças, capazes, assim, de se entregarem ao prazer da leitura, de questionar e interpretar os livros, de enfrentar as dificuldades inerentes à escrita e de criar os seus próprios textos. Os bons resultados obtidos só foram possíveis devido à total colaboração, bem como presença e apoio constante da professora titular, Rute Torres, das professoras bibliotecárias, Maria de Fátima Nunes e Rosa Martins (que também dinamizaram algumas sessões em semanas em que não tocava à mediadora) e das docentes de apoio, Maria João Lopes e Orlanda Ramos. E não posso deixar de agradecer do fundo do coração às autoras que enriqueceram este projeto e participaram em encontros memoráveis para estes leitores / escritores: Cristina Taquelim e Mafalda Milhões (por carta e online) e Carla Maia de Almeida (presencialmente). A minha profunda gratidão a todas!



A metodologia da Oficina de Leitura e Escrita nos seus momentos essenciais (a saber: leitura, releitura, diálogo, escrita, partilha, leitura autónoma), tal como a desenvolvo desde 2014, provou-se muito eficaz também em grupos maiores (turma) em sala de aula e, como neste caso, com uma turma com grandes e reconhecidas dificuldades ao nível da aprendizagem da leitura e da escrita que motivaram a candidatura ao programa (RE)LER da RBE no final do ano letivo 2020/2021. 

Apesar de a turma ainda revelar dificuldades ao nível das aprendizagens curriculares esperadas para um 3º ano, os resultados falam por si, a saber: 

- Grande evolução na compreensão leitora, concretamente da capacidade de leitura da narrativa visual e da narrativa textual, encontrando-se os alunos, neste aspeto, no final do ano letivo, a par ou mais avançados do que a média dos alunos que frequentam o mesmo ano de escolaridade.

- Grande evolução na relação afetiva e estética com a literatura para a infância de qualidade, tendo os alunos lido de forma partilhada, isto é, com a mediadora, ou autónoma, cerca de 50 livros de reconhecida qualidade literária e estética cada um em 2021/2022.

- Bom progresso na competência de escrita (em quase todos os alunos, com exceção de 4 alunos que ainda não dominam a leitura e a escrita, quando no início do ano letivo o panorama era exatamente o oposto, isto é, poucos eram os que conseguiam ler e escrever), visível na autonomia com que escrevem e na vontade de escrever no caderno, mesmo quando a mediadora não o solicita.

- Ampliação do vocabulário, domínio e fluência cada vez maior da linguagem oral e escrita, a apontar ao contacto regular com a literatura para a infância de qualidade e à prática continuada do diálogo em tono do lido e da escrita. A leitura tornou-se escrita e a escrita fomentou a leitura, incentivando-se e influenciando-se mutuamente.

- Crescente valorização pessoal e reconhecimento dos alunos perante si próprios e perante a turma, enquanto leitores e escritores.

A evolução dos alunos nestes diferentes campos é reconhecida pela mediadora, pela docente titular, Rute Torres, pelas professoras bibliotecárias, Rosa Martins e Maria de Fátima Nunes, bem como pelos próprios alunos, a quem foi pedido que avaliassem o projeto. Algumas das suas considerações registadas nos cadernos pessoais do (RE)MAR:

 “Eu acho que evoluí como leitor e escritor, porque eu não gostava de ler, nem escrever, mas (...)  percebi que ler e escrever é muito bom para a nossa alma e a nossa mente.”  

“Eu acho que evoluí como leitora e escritora, porque eu antes achava que não conseguia fazer textos grandes e agora já consigo.” 

“Eu não acreditava que ler era bom, mas agora gosto de ler os livros. E gostei muito destes 18 encontros com a Paula. E também com as autoras Cristina Taquelim e Mafalda Milhões e a escritora Carla Maia de Almeida.” 



 

domingo, 3 de julho de 2022

OBSERVATÓRIO DE LEITURA E ANTÓNIO TORRADO


Os Caminhos de Leitura continuam a crescer. Não se limitam a nutrir e inspirar anualmente os muitos mediadores de leitura de todo o país que rumam a Pombal para o Encontro de Literatura Infantojuvenil. Querem ir mais longe e mais fundo, fomentando a reflexão permanente em torno da seleção de bons livros. 

Na abertura da edição deste ano, foi anunciada a criação de um Observatório de Leitura, composto por 10 especialistas que irão analisar, discutir e distinguir os melhores livros para a infância publicados em todos os países de língua portuguesa com exceção do Brasil, pois a Cátedra Unesco de Leitura da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro, entidade parceira e inspiradora o projeto português, já faz esse estudo e seleção relativamente aos livros produzidos anualmente no Brasil desde 2016. A representar a Cátedra Unesco de Leitura, a professora Eliana Yunes explicou, de forma sucinta, o interessante trabalho de análise e estudo aprofundado dos livros publicados no Brasil para a sua posterior seleção e distinção.


Mafalda Milhões, Benita Prieto e Eliana Yunes

O Observatório de Leitura será coordenado pelo Município de Pombal, mais concretamente, pelas Unidade de Cultura e Unidade de Projetos Educativos, e terá a coordenação técnica de Benita Prieto. Será constituído pelos seguintes elementos, alfabeticamente ordenados:

Dora Batalim
Ieda Alcântara
Jorge Serafim
Margarida (Bru) Junça
Maria José Vitorino
Paula Cusati
Rita Pimenta
Rui Marques Veloso
Sara Reis Silva
Tâmara Bezerra




Os primeiros livros distinguidos com os selos do Observatório de Leitura serão apresentados na XX edição dos Caminhos de Leitura, em junho de 2023. A imagem gráfica dos selos ficará a cargo de Mafalda Milhões, que, durante a apresentação do Observatório de Leitura, revelou que o selo Menção Honrosa terá o nome de António Torrado. Foi um momento de profunda comoção para todos os presentes, entre os quais se encontrava Lourdes Fragateiro, viúva do grande escritor e mentor de tantos professores e mediadores de leitura portugueses.

É uma honra pertencer a este grupo de pessoas apaixonadas pela literatura para a infância e juventude. Muito grata à Sónia Fernandes, do Município de Pombal, e à Benita Prieto pelo convite!

segunda-feira, 27 de junho de 2022

NUNO MARÇAL e a BIBLIOMÓVEL

                                    Bibliomóvel, do FB de Nuno Marçal



Regressada a casa após os XIX Caminhos de Leitura, é tempo de refletir sobre o vivido, lido e aprendido durante esses dias em Pombal. Creio que esta edição ficará para sempre gravada na minha memória / no meu coração, não só pela necessidade que todos nós, promotores e mediadores do livro e da leitura, sentíamos de estarmos novamente juntos de verdade, mas também, e sobretudo, pela qualidade do programa desenhado pela Sónia Fernandes, do Município de Pombal, e por toda a sua equipa. Um abraço muito grato a todos! 

Ao longo dos próximos dias, irei escrever aqui sobre este Encontro de Literatura Infantojuvenil. Começo hoje com um elo que ficou a faltar no primeiro dia. A 23 de junho, após a conferência de abertura da professora Eliana Yunes, coube-me moderar o painel LEITURAS E LUGARES: PROJETOS E PRÁTICAS DE LEITURA. No palco, estiveram Rose Carneiro e Emanueli Unfer (Trilhos da Leitura - Rio Grande do Sul), Ana Sofia Marçal (Festival Literário "Maratona de Leitura"), Pep Duran Oller (Ler no Bosque - Bibliobosc al Montseny) e Elsa Serra (Na Rua com Histórias), que nos apresentaram os seus projetos inspiradores. 


Porém, ficou a faltar alguém. Do programa inicial constava o Nuno Marçal, que nos iria falar da sua Bibliomóvel. Por motivos pessoais justificadíssimos, o Nuno avisou a organização de que afinal não poderia estar presente. Por considerar o seu trabalho tão importante, eu não queria perder a oportunidade de o ouvir falar sobre a Bibliomóvel e as terras e gentes de Proença-a-Nova. Aqui ficam, acabadas de chegar esta manhã, as importantes e necessárias respostas do Nuno às questões que lhe coloquei, para que possam ser lidas e relidas, e chegar ainda a mais pessoas do que as que estavam no dia 23 no Teatro-Cine de Pombal. Obrigada, Nuno! As tuas respostas apontam o caminho para o futuro das bibliotecas. Que continues a contagiar-nos com o teu exemplo inspirador!

Bibliomóvel, do FB de Nuno Marçal


Qual a ideia / necessidade que te levou a começar o projeto "Bibliomóvel"?

A Bibliomóvel surgiu de uma candidatura que o Município de Proença-a-Nova, em parceria com a Santa Casa da Misericórdia de Sobreira Formosa, efectuou ao Programa Progride do Ministério da Segurança Social, em resposta aos grandes incêndios de 2003 que destruiram grande parte da mancha florestal do concelho. Essa candidatura, além da Bibliomóvel, incluiu uma Unidade Móvel de Saúde. A necessidade destes projectos prendia-se com o levar serviços de proximidade (cultura, saúde e sempre algo mais) a populações afectadas pelos incêndios florestais.
A Bibliomóvel entrou ao serviço no dia 26 de junho de 2006 e mantêm-se até hoje com esse objectivo de ir, estar e dar Biblioteca Pública sobre rodas a TODAS as Pessoas, as que sabem ler, as que não sabem ler e as que não querem ler. TODAS as Pessoas!

Como é o território e a população que serve?

O concelho de Proença-a-Nova é um território ultra-periférico da periferia geográfica de Portugal, com cerca de 7000 habitantes, eminentemente rural com povoação dispersa por pequenas aldeias e cujas características principais são o envelhecimento e a desertificação. Apesar de tudo isto, conseguem manter a genuinidade, a bondade e a imensa hospitalidade das boas Pessoas e sou um afortunado por conhecer e privar com elas.

Quais as principais características / valores deste projeto?

Proximidade, Periodicidade, Cumplicidade, Intimidade e Amizade. Creio que são estes os valores desta Biblioteca Pública sobre rodas atenta às necessidades e vontades da comunidade onde anda e trabalha. As Bibliotecas para sobreviverem e reconquistarem a relevância e a importância que tiveram e têm vindo a perder são aconselhadas/obrigadas a isso mesmo, estarem atentas não se fecharem dentro das suas ameias e muralhas e trabalharem quase em circuito fechado tantas vezes para um quase imenso vazio e silêncio. As Bibliotecas têm de ser úteis para a comunidade, só assim conseguem que seja essa mesma comunidade a participar e acima de tudo a defendê-las das imensas ameaças que pairam sobre elas.
Alargar o espectro funcional, sem sair obviamente da sua matriz de identidade como Casas de Liberdade, Igualdade e Fraternidade onde o livre acesso à informação e conhecimento credíveis e verificados, espaços de encontro, de partilhas, de ajuda, de formação, de encanto e deslumbramento e sempre algo mais para TODAS as Pessoas tem que fazer parte obrigatoriamente do cardápio de actividades e funções das Bibliotecas Vivas!

Que balanço fazes do trabalho até agora realizado e quais os próximos passos?

Passaram 16 anos desde aquele primeiro dia. Muita coisa mudou, a minha ideia e ideal de Biblioteca transformou-se radicalmente e diversificou-se, como pessoa também mudei muito. O território e as Pessoas, essas, mantêm-se iguais com os mesmos problemas, potencialidades e amabilidades. Quero e gosto de acreditar que ao longo destes 16 anos contribuímos, com uma gota de água ou um grão de areia de bem estar e felicidade para transformar o quotidiano destas terras e gentes. Quero muito e gosto muito de acreditar que assim foi.
Os próximos passos....(pergunta difícil!). Tenho imensa Vontade de continuar a ser bibliotecário-ambulante, as Bibliotecas itinerantes são viciantes e uma "doença" que infecta e de cura difícil. A minha vida mudou, deu trambolhões imensos, as prioridades passaram a ser outras e, por isso mesmo, tenho reflectido imenso sobre o meu futuro e do meu filho Tomás. Trabalhar longe de casa acarreta logísticas difíceis e, por isso, sem procurar cura para essa doença das Bibliotecas Itinerantes, estou receptivo a um quilómetro 0 noutro projecto e desafio. Caso ele não surja, continuarei "infectado" e a tentar "infectar" mais uns quantos nestas estradas, nestas terras e gentes.



P.S. Se quiserem acompanhar o Nuno nesta viagem com a Bibliomóvel, podem fazê-lo nas redes sociais e em www.opapalagui.blogspot.com .