quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Oficina de Leitura e Escrita

«Na Oficina de Leitura e Escrita 
sinto-me feliz, aprendiz, escritora.»
S., 3º ano


Ilustr, Julie Morstad


A Oficina de Leitura e Escrita é um projeto continuado de promoção e mediação da leitura e da escrita. Em outubro começarei o sexto ano de trabalho regular, isto é, semanal, com grupos de alunos do 3º ano do Primeiro Ciclo até ao 9º ano do Terceiro Ciclo do Ensino Básico. Embora já tenha escrito sobre a Oficina de Leitura e Escrita (OLE)  aqui,  creio que é importante aprofundar essa reflexão. 

A Oficina de Leitura e Escrita assenta no princípio de que a leitura e a escrita são processos semelhantes na sua essência de construção de sentido, e indissociáveis, por isso o seu ensino não deve ser feito separadamente, já que o aprofundamento dos conhecimentos numa influenciará a qualidade da outra, de forma recíproca.

A OLE não é uma aula, nem uma explicação de Português. Trata-se exatamente do que o nome indica: uma oficina, um lugar onde juntos, em cada encontro, pegamos nas ferramentas da leitura e da escrita e fazemos simplesmente isto: lemos, pensamos, conversamos sobre o que lemos, escrevemos, partilhamos e dialogamos sobre o que escrevemos. Estes passos, repetidos semana após semana, envolvem processos cognitivos complexos que conduzem os aprendizes gradual e progressivamente a uma consciência maior de si próprios e das suas capacidades, mas também a um conhecimento cada vez mais profundo dos outros, dos livros e do mundo. Crescemos como leitores e como escritores autênticos.


«Senti-me bastante bem, pois a oficina é um lugar onde aprendemos muitas coisas e a ver o mundo de outra forma. A oficina ajudou-me bastante na escola, porque comecei a ler mais fluentemente, a interpretar melhor os textos e a escrever melhor. Cresci imenso, vim para cá sem gostar de ler e agora todas as noites antes de dormir leio sempre um bocadinho.» M.G., 9º ano

A OLE não pode garantir uma subida imediata do rendimento escolar, no entanto, de acordo com o que temos observado ao longo destes cinco anos, os alunos que participam regularmente e por um período continuado de tempo apresentam melhorias significativas  nas suas capacidades de concentração, compreensão, análise, raciocínio, aplicação, síntese, avaliação e metacognição. Passam também a expressar-se oralmente e por escrito com maior propriedade e fluência. Através da escrita reconhecem a sua voz, as suas ideias, e  articulam as questões que querem aprofundar. Esta evolução leva na maior parte das vezes a uma melhoria transdisciplinar, não só no Português. Porém, o que me apraz registar é a motivação intrínseca que advém de verificarem o quanto crescem enquanto leitores e escritores através da OLE. Leem, escrevem, pensam, dialogam e aprendem com entusiasmo crescente, enfrentam os textos / livros mais complexos com curiosidade, não se deixam abater pelas dificuldades e celebram as suas vitórias.

«Quando lemos os nossos textos, eu vejo que os textos estão a evoluir. Lembro-me do R. que é um membro do grupo, ele não se interessava pela escrita e agora interessa-se muito.»                                          L., 4º ano


Na OLE não há fichas de leitura nem testes. Lemos livros, jornais e revistas. Lemos objetos, copas das árvores, folhas caídas, nuvens, dias de sol e de chuva, rostos e janelas. Somos uma verdadeira comunidade de leitores e escritores. O diálogo em torno do que lemos e escrevemos é espontâneo. As perguntas não são pré-fabricadas, mas autênticas e muitas vezes imprevisíveis. Por nem sempre encontrarmos respostas para elas, essas questões acompanham-nos e fazem de nós leitores e escritores mais atentos e curiosos.

Na OLE não há manuais de Língua Portuguesa. Os alunos têm ao seu dispor uma verdadeira biblioteca com os melhores livros (para a infância e juventude). Daí provém todas as leituras feitas em grupo e aí poderão escolher livremente os livros para lerem em casa autonomamente ou com a família. Ah! E também há muitos dicionários.

Na OLE não há notas, nem concursos, nem prémios. Valorizam-se as ideias e a voz de cada uma das crianças e dos jovens. Respeitam-se as dificuldades e os tempos de cada um. Somos todos aprendizes. Reconhecemos o esforço, a disponibilidade e a vontade. Confiamos uns nos outros.  Somos constantemente surpreendidos pelas palavras que nascem no papel. Sabemos da importância da prática reiterada, bem como do silêncio em que quase se ouvem os pensamentos quando todos estamos a escrever. Interessa-nos genuinamente saber o que pensa ou escreveu o outro. Não nos interessa ser melhores do que os outros, mas superarmo-nos a nós próprios, com a ajuda de todos. 

«Aprendi muito mais do que a ler e a escrever com qualidade. Aprendi a debater, a expor as minhas ideias, e ainda conheci realidades diferentes da minha. Na OLE fui feliz, pois descobri a magia da leitura e o prazer da escrita, algo que, quando vim para aqui, não tinha.»  M.R., 9º ano.


Estou imensamente grata a todos os alunos que frequentaram a Oficina de Leitura e Escrita ao longo destes anos (as citações são retiradas de textos escritos por eles) e às suas famílias por confiarem no meu trabalho. A partir da próxima semana, voltamos a ler, a indagar, a explorar, a escrever e a aprender juntos!


quinta-feira, 14 de março de 2019

A importância da leitura e da reflexão acerca da condição humana


Ilustr. Maria Girón


“Deveríamos começar a procurar um espaço na escola para a literatura, para uma literatura de muito boa qualidade e dar um sentido diferente à sua leitura, que vá muito para além do mero entretenimento. Porquê? Porque a literatura reúne toda uma reflexão sobre a condição humana, sobre as possibilidades que o ser humano pode ter na terra. A literatura tem como tema os grandes problemas da vida e isso proporciona um enriquecimento enorme na nossa condição de seres humanos, não só como cidadãos ou como profissionais, pois estas duas formações estão incompletas enquanto não pensarmos na condição humana. A literatura convida a esta reflexão a partir de casos e realidades concretas.” 

                                                                                                                     (pp.143-144)


“Temos que pensar na biblioteca escolar como um espaço para a leitura (…) que busca significação, que busca sentido, a leitura que procura a formação de um humano com possibilidades de ver o mundo do lado de fora, de outras maneiras. A escritora argentina Graciela Montes diz que a leitura obrigatória está associada às mesas da escola e a leitura lúdica às almofadas. Temos que quebrar essa dicotomia e tratar de formar leitores críticos. A atitude do leitor é a da dúvida, a de quem coloca perguntas, se questiona, não a de quem tem todas as respostas. Essa atitude do leitor deve estar presente no professor e formar-se nas crianças e nos jovens. A atitude de quem pensa que não está tudo dito, não se sabe tudo e que nem sempre temos que estar de acordo em tudo.”

(p.145)


Entrevista a Silvia Castrillón
 in Leer para compreender, Escribir para transformar: palabras que abren nuevos caminos en la escuela, Bogotá: Ministerio de Educación Nacional, 2013

sexta-feira, 1 de março de 2019

Leitura e Empatia

Ilustr. Sophie Blackall

«Quando lemos com uma criança, estamos a fazer muito mais do que a ensiná-la a ler ou a incutir-lhe o amor pela linguagem. Estamos a fazer algo que eu creio ser igualmente poderoso, e é algo que estamos a perder enquanto cultura: ao ler com uma criança estamos a ensinar essa criança a ser humana. Quando abrimos um livro e partilhamos a nossa voz  e a nossa imaginação com uma criança, essa criança aprende a ver o mundo através dos olhos do outro.
(…)
Quando lemos livros com as crianças, damos-lhes outros mundos, e ainda mais importante, damo-nos. Ler com as crianças estabelece uma ligação humana, íntima, que ensina a essa criança o que significa estar vivo como um dos muitos seres do planeta. Estamos a nomear sentimentos, a partilhar experiência, e a expressar-nos, tudo isto num ambiente seguro. Quando lemos um livro com as crianças, elas - por muito stressadas ou em dificuldade - libertam-se de si próprias  para criarem vínculos com outros seres humanos e para verem e sentirem as experiências dos outros. Eu acredito que é este momento que nos torna humanos. Neste sentido, ler torna-nos humanos.»

Anna Dewdney, "How books can teach your child to care"
 in The Wall Street Journal, 7 Agosto 2013
Texto na íntegra aqui

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Silêncio







As duas imagens que escolhi para este regresso à escrita no blogue provêm do livro Un grande giorno di nente, de Beatrice Alemagna, ed. Topipittori. Dois silêncios tão diferentes. Um, no início do livro, e o outro que o conclui. Distância e Proximidade. Ausência e Presença. Comunicação.
Há tantos tipos de silêncio, não é? Após um longo e necessário silêncio, sabe bem voltar aqui.