terça-feira, 29 de setembro de 2015

As Guardas: Guardiãs de Tesouros XIX

É este espaço livre e aberto à imaginação dos leitores que quero celebrar. Deixarei aqui todas as semanas uma ou duas imagens das guardas iniciais e finais de um livro. Num silêncio atento e deslumbrado.

 
 
 
O lobo não morde
Emily Gravett (trad. Carla Maia de Almeida)
Livros Horizonte, 2011

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Oficina de Leitura e Escrita


Nem sempre a escola consegue dar aos nossos filhos as ferramentas necessárias para compreenderem plenamente e elaborarem com correção diferentes tipos de textos. Para além disso, em sala de aula, a literatura é frequentemente reduzida à sua análise esquemática, sem o entusiasmo e o deslumbramento pelas palavras. Para grande parte dos alunos, ler enfada e a escrita provoca angústia. Por sua vez, quem gosta de ler e quer aprender a escrever melhor, nem sempre encontra na escola o estímulo da atenção e do trabalho relativamente ao próprio texto, na sua melhoria, até atingir o grau de beleza e expressividade pretendido.
 
Encarar a leitura e a escrita como um prazer, mas, sobretudo, como uma forma de sermos plenamente nós, com horizontes muito mais alargados, é um dos objetivos desta oficina. Pretende-se que este seja sempre um espaço de criatividade, de crescimento, de reflexão crítica. Cada aluno é como um artesão que trabalha com outros numa oficina de palavras. Não são esquecidas as metas curriculares de Educação Literária de cada ano de escolaridade, porém, a Oficina não replica o ensino da língua e da literatura tal como acontece na escola. Nunca há fichas!

 
Fornecendo sempre modelos de textos de autores, portugueses e estrangeiros, criteriosamente selecionados e adequados à maturidade leitora de cada grupo, criamos textos individuais, partilhando-os, discutindo-os, sem juízos de valor, mas com a clara noção do que pode ser melhorado e porquê. Assim, fica registado o processo de construção de cada texto, desde a ideia inicial até à pequena obra finalizada, passando por todas as reflexões, alterações e correções. A leitura leva à escrita e viceversa, num ciclo harmonioso e frutífero. As Oficinas acontecem semanalmente e estão pensadas como um todo articulado, de análise e progressão nas competências de leitura e escrita. Para além disso, cada aluno pode levar para ler em casa o livro que quiser de entre os muitos disponíveis na biblioteca do projeto. Livros esses escolhidos pela qualidade dos seus textos e ilustrações, pela sua variedade, pela representatividade dos melhores autores de literatura infantil e juvenil, e pela possibilidade de expansão dos textos e temas tratados na Oficina.

 
Retomo em Outubro a Oficina de Leitura e Escrita, confiante e feliz pelas provas dadas em 2014/2015: os alunos que a frequentaram regularmente leram bastante mais do que até então e, sobretudo, passaram a encarar o processo de escrita de forma mais consciente e decidida, mas, contemporaneamente, mais descontraída. A gradual apropriação da escrita enquanto mecanismo de questionamento e reflexão sobre si próprio, os outros e o mundo, fez com que os textos produzidos se tornassem cada vez mais fluídos e relevantes.

NOTA: A Oficina de Leitura e Escrita é também itinerante, podendo ser realizada de forma pontual em escolas (1º e 2º CEB e Ensino Secundário) e bibliotecas, ou como formação (para a implementação de um projeto continuado semelhante, com objetivos idênticos, adaptado ao contexto de cada instituição).

Informações: paula.cusati@gmail.com

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Os 10 direitos inalienáveis do leitor


Continuo com Pennac a reflexão sobre a leitura e sua promoção, partindo do ponto onde terminei com Rodari:

" O verbo ler não suporta o imperativo. É uma aversão que compartilha com outros: o verbo "amar"... o verbo "sonhar"...

Embora sejam sobejamente conhecidos, creio que nunca é demais repetir os seus


DIREITOS INALIENÁVEIS DO LEITOR

1. O direito de não ler
2. O direito de saltar páginas
3. O direito de não acabar um livro
4. O direito de reler
5. O direito de ler não importa o quê
6. O direito de amar os "heróis" dos romances
7. O direito de ler não importa onde
8. O direito de saltar de livro em livro
9. O direito de ler em voz alta
10. O direito de não falar do que se leu.

In Daniel Pennac, Como um romance, Edições Asa


Mas o melhor é reler todo o livro, não acham?

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Nove modos de ensinar as crianças a odiar a leitura!


Ainda a propósito de listas, lembro Gianni Rodari, professor, jornalista e escritor italiano. Autor de uma extensa e magnífica obra (praticamente desconhecida em Portugal) e vencedor do Prémio Andersen em 1970, descreve, com a sua característica ironia, a maneira como os adultos contribuem para o ódio à leitura neste texto de 1966 (do qual traduzi apenas alguns trechos), na esperança de que a leitura da sua listagem produza o desejado antídoto:


NOVE MODOS DE ENSINAR AS CRIANÇAS A ODIAR A LEITURA

1. Apresentar o livro como uma alternativa à TV.
(...) Psicologicamente, não me parece que negar um prazer ou uma atividade agradável (ou que se sente como tal, o que vem dar no mesmo) seja o modo ideal de fazer com que amem outra atividade: será, isso sim, a maneira de lançar sobre esta última uma sombra de aborrecimento e de castigo.

2. Apresentar o livro como uma alternativa à banda desenhada.
(...) na minha opinião, não há uma relação de causa-efeito entre a paixão pela banda desenhada e a ausência de interesse pelas "boas leituras".

3. Dizer às crianças de hoje que as crianças de antigamente liam mais.
O adulto tem frequentemente a tentação (e raramente lhe resiste) de louvar "o seu tempo", especialmente o tempo da sua infância que a sua memória pinta com cores alegres e apresenta como uma estação ideal. A memória é uma bajuladora e uma aldrabona de primeira ordem, mas é difícil apercebermo-nos disso. (...)

4. Pensar que as crianças têm demasiadas distrações.
(...) isso não depende do número e da qualidade das "distrações" (ou seja, das ocupações mais livres, e, por isso, mais amadas, e, por isso, mais ricas em termos de eficácia educativa), depende do lugar que o livro ocupa na vida do país, da sociedade, da família, da escola.

5. Atribuir às crianças a culpa de não gostarem de ler.
(...) Se procurarmos "porquês" menos cómodos do que a acusação prepotente dirigida às crianças, encontramos as culpas dos pais: há casas onde nunca entra um livro, existem milhares de licenciados sem biblioteca, há tantos pais que nem sequer lêem o jornal, e depois admiram-se de os filhos fazerem o que eles fazem. Há culpas públicas: da escola e do Estado; e existem as culpas da nossa cultura (...).

6. Transformar o livro num instrumento de tortura.
(...) O livro que entra na escola sob o esquema do aproveitamento escolar produz resultados meramente escolares: não se torna algo de belo e bom, de que se sente necessidade, mas uma coisa que serve ao professor para dar uma nota. A escola como tribunal, em vez de ser vida.
Assim, evita-se a dificuldade principal, que é a de fazer nascer a necessidade da leitura, que é uma necessidade cultural, não um instinto, como comer, beber e dormir, não algo da natureza."

7. Recusar-se a ler para a criança.
A voz da mãe, do pai (do professor) tem uma função insubstituível. Todos obedecemos a esta lei, sem o saber, quando contamos uma história à criança que ainda não sabe ler, criando, através da história aquele "léxico familiar" de que fala Natalia Ginzburg, no qual a intimidade, a confiança, a comunhão entre pais e filhos se exprimem de modo único e irrepetível. (...)
A história escrita é já o mundo: já não é o "léxico familiar", é contacto com uma realidade mais vasta, conhecida através da fantasia, que nas crianças é como um terceiro olho (...).

8. Não oferecer uma escolha suficiente.
(...) a pequena biblioteca, pessoal ou coletiva, é indispensável (...) para que possa suscitar curiosidades diversas, satisfazer ou estimular diferentes interesses, responder às mudanças de humor, à evolução da personalidade, da formação cultural, da informação. (...)

9. Mandar ler.
(...) É indubitavelmente o mais eficaz se queremos que as crianças aprendam a odiar a leitura. Garantido a cem por cento. Facílimo de aplicar.
(...) uma lição que não esquecerá, ou seja, ler é uma daquelas coisas que temos que fazer porque os adultos mandam, um daqueles males inevitáveis relacionados com o exercício da autoridade por parte dos adultos. Mas assim que nós formos grandes também, assim que formos adultos, assim que formos livres...
Visto a posteriori , isto é, pelo número de adultos legalmente alfabetizados que, assim que saem da menoridade, não lêem mais nenhuma linha, este deve ser, de todos os sistemas, o mais difuso (...)

in Gianni Rodari, Scuola di Fantasia, Einaudi, 2014

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

As fichas de leitura, esse presente envenenado

A escrita do  "Decálogo para fomentar o amor pela leitura" levou-me à reflexão sobre outras listas e textos que têm sido norteadores do meu caminho como mediadora de leitura. No ponto 4, "Abandona as fichas de leitura, esse presente envenenado", pensei obviamente no texto da autoria de Leonor Riscado e Rui Marques Veloso (que tive a sorte de ter como professores de Análise Textual na 1ª Pós-Graduação em Livro Infantil). Partilho aqui esse texto, mais atual do que nunca, vista a avalanche (motivada certamente pelas metas de Educação Literária ditadas pelo Ministério da Educação) de edições de obras de literatura infantil acompanhadas desse "presente tóxico".


A LITERATURA INFANTIL NÃO PRECISA DE FICHAS

Por que motivo há livros para crianças com umas estranhas fichas no final, logo após o texto a ser lido? Será que os livros dirigidos aos adultos incluem fichas desta natureza? É claro que não! Tudo resulta de um grande equivoco entre a leitura de um texto literário para crianças e a necessidade que pais e professores sentem em avaliar a compreensão do texto em causa e/ou realizar prolongamentos do mesmo. Estamos perante um problema grave que exige reflexão da nossa parte. 
É hoje comummente aceite que o livro para crianças deve ser um objecto de arte e, por isso mesmo, possuir uma dimensão estética; o texto literário, a ilustração e o trabalho do designer gráfico formam um todo que vai ser fruído pelo jovem leitor, tantas vezes quantas o livro é aberto para puro gozo de quem saboreia uma iguaria. Este facto não anula, antes reforça, a apreensão de saberes que qualquer leitura oferece, o que representa uma mais-valia para um ser em construção. Toda a literatura, seja para adultos, seja para crianças, traz consigo uma vocação pedagógica, porque fala do mundo e contribui para que o compreendamos; nunca somos os mesmos após a leitura de uma obra. Com as crianças, tudo isto é facilmente visível, porque a polissemia do texto e da imagem vai alimentar o seu conhecimento linguístico, a sua capacidade de verbalização das emoções, a sua ligação afectiva aos outros. A cumplicidade que um livro gera entre o adulto e a criança leitora (aqui num sentido muito amplo, que inclui as que ainda não foram alfabetizadas) é fundamental para o desenvolvimento desta.
Há pais que, na ânsia de levar os seus filhos a níveis escolares de excelência, o que é natural, transformam os poucos momentos de que dispõem para brincar com as crianças em meros prolongamentos da escola, sacrificando esse espaço de ternura e de amor em nome de hipotéticos avanços cognitivos.  
Vemos, com frequência, que uma simples história vai ser pretexto para largos minutos didácticos e pedagógicos, transformando-se o pai (ou a mãe) num segundo professor, o que traz consequências negativas que não podem ser subestimadas. Interessará realmente verificar se a criança compreendeu a história? Para ela, o mais importante foram aqueles minutos mágicos em que o pai e/ou a mãe lhe leram a história, salpicada pelo olhar e voz doces que jamais esquecerá. E se não tiver compreendido alguma coisa, ela pergunta, porque uma criança não é idiota.
Há professores que vivem numa inteira dependência das fichas, reduzindo parte significativa do trabalho escolar à sua utilização em sala de aula. Se encontram um livro de narrativas com fichas de explicação dos textos, de aplicação de uma moral (?) ou de exercícios de vocabulário, ficam felizes, porque podem ocupar as crianças com essas tarefas. Trata-se de um terrível engano, pois a leitura recreativa dispensa fichas de interpretação ou de aplicação de conteúdos.
Certos editores, conhecendo estes pecados de pais e docentes, apostam nestas fichas na medida em que sabem que os livros se vendem mais facilmente. Está na altura de todos dizermos Não! As crianças merecem o nosso respeito e não podem ser enganadas com a conivência dos adultos responsáveis pela sua formação.
Os pais recorrerão aos livros para alimentarem momentos de amor e de humor, ajudando os filhos a descobrir o seu mundo interior e a compreender o meio envolvente – este é o segredo dos bons livros para crianças, livros que ajudam a crescer, de forma harmoniosa. Os professores, em nome da eficácia, distinguirão, de forma muito clara, o que e a leitura de puro prazer e recreio da leitura de trabalho, que exige esforço e alargamento de competências; neste caso, quando quiserem recorrer a questionários ou a outras ferramentas, farão as devidas opções que, somos levados a crer, não se coadunam com o estereótipo que tolhe a imaginação e a inteligência.
Por tudo o que foi referido, acreditamos que as escolhas de livros presentes nas listas do P.N.L., se pautarão pela observação atenta dos livros a serem escolhidos para as crianças, pondo de lado aqueles que trazem consigo um presente tóxico – a fichazinha.
Rui Marques Veloso
Leonor Riscado

Decálogo para fomentar o amor pela leitura (para professores)

Após uma longa pausa, recomeço com algo que me parece importante, dado o início iminente de um novo ano letivo e o regresso, esta semana, à escola da maior parte dos docentes. Este decálogo que vos deixo foi inspirado noutro da escritora Annalisa Strada que o partilhou aquando da sua comunicação em Março deste ano na Feira do Livro Infantil de Bolonha. Quando comecei a traduzir o texto da autora italiana, que se dirige aos alunos, apercebi-me de que o que eu queria publicar era outro decálogo. Baseei-me no seu, na estrutura e nas ideias, mas pretendi falar com os professores, sem os laivos sarcásticos do texto de Annalisa Strada. 


DECÁLOGO PARA FOMENTAR O AMOR PELA LEITURA

1. Lê, lê muito. Só assim farás com que leiam.
2. Lê sempre antes de dares a ler.
3. Não faças perguntas para saberes se leram, estás a perder tempo. Para isso, existem os exercícios do manual.
4. Abandona as fichas de leitura, esse presente envenenado.
5. Dá a ler mais do que os clássicos. Confia nos bons editores, no teu bom gosto e no dos teus alunos.
6. Não há géneros melhores do que outros. Varia bastante para que os teus alunos possam mais facilmente encontrar o livro certo.
7. Os teus alunos não são novos demais ou grandes demais para ler certos livros. Mas se precisarem do teu apoio, sê ponte.
8. A leitura em sala de aula nunca é uma perda de tempo, mas uma oportunidade de concentração, descoberta e sonho.
9. Não trates os livros como peças de museu. Dessacraliza-os para que façam parte do quotidiano dos teus alunos.
10. O preço não é desculpa para não ler. Um bom livro custa quanto uma semana de raspadinhas e euromilhões. Além disso, há por aí tantas e tão boas bibliotecas onde ler ainda é grátis!