terça-feira, 19 de julho de 2022

O valor da lentidão

 


Em Elogio da Lentidão, pequeno ensaio de Lamberto Maffei (o primeiro dos 3 publicados pelas Edições 70, a que se seguiram O Elogio da Palavra e O Elogio da Rebeldia), o médico, neurobiólogo e investigador italiano convida-nos a refletir acerca da importância do pensamento lento na era da velocidade e da abundância estonteante de estímulos visuais e  cognitivos. Sem demonizar o pensamento rápido, aliás ancestral e essencial à sobrevivência do ser humano, Maffei sugere que regressemos «ao ritmo lento da linguagem falada e escrita». Pois será que desejamos apenas sobreviver? 

Recorda-nos que se o ócio (do latim otium,  contraposto «à palavra negotium, "negócio", entendida como atividade laboral») adquiriu uma interpretação negativa, associado à preguiça e à passividade, na verdade era, na essência, «entendido como tempo livre para a reflexão, para o estudo, para o pensamento». Na época da pressa e dos números, tempo de valor incalculável para todos nós, mas ainda mais fulcral para os criativos e para quem trabalha nas áreas da educação e da cultura, diria eu. Este pensar que antecede o fazer. O pensamento ligado ao raciocínio, à memória, à dúvida, à exploração, à reflexão e à crítica, e que é, necessariamente, lento. O pensamento do encontro, do diálogo e da leitura profunda.

Lamberto Maffei convoca outros autores, como Italo Calvino (Seis propostas para o próximo milénio: Lições Americanas), Daniel Kahneman (Pensar, depressa e devagar), Zygmunt Bauman (vários) e Martha Nussbaum (Sem fins lucrativos: Porque precisa a democracia das humanidades), levando-nos inevitavelmente a (revisitar) outras leituras e reflexões.

Achei particularmente interessantes os capítulos "IV - Bulimia de consumos, anorexia de valores" e "V - Criatividade". Primeiro, pela consciencialização de que «o consumismo é filho do pensamento rápido, pois também o consumo deve ser rápido para mudar o desejo de forma igualmente rápida e voltar a comprar» e que a formação de cidadão críticos levaria quase certamente à defesa de «uma economia da sobriedade e da sustentabilidade.» Depois, pelo alerta sobre aquilo que Maffei designa um cérebro "globalizado" e a necessidade no mundo atual do pensamento divergente, não só do artista e do cientista, mas de todos nós. 


P.S. Esta é uma questão fulcral na minha vida pessoal e profissional. Sobre o valor da lentidão, já aqui falei em 2014: 

https://mediarleituras.blogspot.com/2014/06/rubem-alves-o-vagar-curiosidade-o-amor.html

https://mediarleituras.blogspot.com/2014/06/pedagogia-da-lentidao.html


sexta-feira, 8 de julho de 2022

UMA OFICINA DE LEITURA E ESCRITA COM O MAR POR HORIZONTE

 


«A leitura é um processo de humanização pela capacidade que oferece de linguagem, de pensamento e de reflexão. Leva a uma mudança de aspiração na vida, pois lendo você descobre que há outros caminhos, outras opções.»

Eliana Yunes



A 29 de junho de 2022 terminou o projeto (RE)MAR: UMA OFICINA DE LEITURA E ESCRITA COM O MAR POR HORIZONTE, iniciado em outubro de 2021, com os alunos do 3ºB da EB1 do Agrupamento de Escolas de Sines. 

Realizámos a última de 18 sessões na praia de Sines, fazendo jus ao título do projeto. No alto da escadaria que subimos para regressar à escola, deparámo-nos com a linha do horizonte sobre a imensidão do mar. Enquanto registávamos fotograficamente aquele momento, ao relembrar aos alunos porque decidira assim nomear a nossa oficina, refleti em como este projeto alargara verdadeiramente os horizontes de vida destas crianças. Ao ler, escrever e dialogar sobre o lido e escrito, o mundo dos alunos do 3º B expandira-se grandemente em poucos meses. Pensei nas palavras da conferência de Eliana Yunes na semana anterior no XIX Encontro de Literatura Infantojuvenil Caminhos de Leitura, em Pombal: “uma vez leitor, sempre leitor. E uma vez descoberto o segredo de saber o que não se sabia, impossível parar, a não ser por acidente”.

Estivemos um ano (letivo) inteiro envolvidos num projeto de promoção e mediação da leitura e da escrita, financiado pela candidatura de recuperação das aprendizagens, (RE)LER com a Biblioteca, da Rede de Bibliotecas Escolares, numa escola que pertence ao programa TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária): “a ver, ler, descobrir, escrever”. 

Tenho tanto a dizer e a escrever sobre este projeto! Mas isso ficará para o regresso ao trabalho após as férias de verão. Por hoje, quero apenas expressar a imensa alegria e gratidão pelo convite da professora Maria de Fátima Nunes a pensar e a dinamizar as sessões da Oficina de Leitura e Escrita com estas crianças.

A aposta feita num projeto de mediação da leitura e da escrita prolongado no tempo e com caráter regular demonstrou-se extremamente acertada. Só desta forma foi possível acompanhar o crescimento dos alunos enquanto leitores e escritores e construir uma relação de confiança, cumplicidade e afeto entre a mediadora e as crianças, capazes, assim, de se entregarem ao prazer da leitura, de questionar e interpretar os livros, de enfrentar as dificuldades inerentes à escrita e de criar os seus próprios textos. Os bons resultados obtidos só foram possíveis devido à total colaboração, bem como presença e apoio constante da professora titular, Rute Torres, das professoras bibliotecárias, Maria de Fátima Nunes e Rosa Martins (que também dinamizaram algumas sessões em semanas em que não tocava à mediadora) e das docentes de apoio, Maria João Lopes e Orlanda Ramos. E não posso deixar de agradecer do fundo do coração às autoras que enriqueceram este projeto e participaram em encontros memoráveis para estes leitores / escritores: Cristina Taquelim e Mafalda Milhões (por carta e online) e Carla Maia de Almeida (presencialmente). A minha profunda gratidão a todas!



A metodologia da Oficina de Leitura e Escrita nos seus momentos essenciais (a saber: leitura, releitura, diálogo, escrita, partilha, leitura autónoma), tal como a desenvolvo desde 2014, provou-se muito eficaz também em grupos maiores (turma) em sala de aula e, como neste caso, com uma turma com grandes e reconhecidas dificuldades ao nível da aprendizagem da leitura e da escrita que motivaram a candidatura ao programa (RE)LER da RBE no final do ano letivo 2020/2021. 

Apesar de a turma ainda revelar dificuldades ao nível das aprendizagens curriculares esperadas para um 3º ano, os resultados falam por si, a saber: 

- Grande evolução na compreensão leitora, concretamente da capacidade de leitura da narrativa visual e da narrativa textual, encontrando-se os alunos, neste aspeto, no final do ano letivo, a par ou mais avançados do que a média dos alunos que frequentam o mesmo ano de escolaridade.

- Grande evolução na relação afetiva e estética com a literatura para a infância de qualidade, tendo os alunos lido de forma partilhada, isto é, com a mediadora, ou autónoma, cerca de 50 livros de reconhecida qualidade literária e estética cada um em 2021/2022.

- Bom progresso na competência de escrita (em quase todos os alunos, com exceção de 4 alunos que ainda não dominam a leitura e a escrita, quando no início do ano letivo o panorama era exatamente o oposto, isto é, poucos eram os que conseguiam ler e escrever), visível na autonomia com que escrevem e na vontade de escrever no caderno, mesmo quando a mediadora não o solicita.

- Ampliação do vocabulário, domínio e fluência cada vez maior da linguagem oral e escrita, a apontar ao contacto regular com a literatura para a infância de qualidade e à prática continuada do diálogo em tono do lido e da escrita. A leitura tornou-se escrita e a escrita fomentou a leitura, incentivando-se e influenciando-se mutuamente.

- Crescente valorização pessoal e reconhecimento dos alunos perante si próprios e perante a turma, enquanto leitores e escritores.

A evolução dos alunos nestes diferentes campos é reconhecida pela mediadora, pela docente titular, Rute Torres, pelas professoras bibliotecárias, Rosa Martins e Maria de Fátima Nunes, bem como pelos próprios alunos, a quem foi pedido que avaliassem o projeto. Algumas das suas considerações registadas nos cadernos pessoais do (RE)MAR:

 “Eu acho que evoluí como leitor e escritor, porque eu não gostava de ler, nem escrever, mas (...)  percebi que ler e escrever é muito bom para a nossa alma e a nossa mente.”  

“Eu acho que evoluí como leitora e escritora, porque eu antes achava que não conseguia fazer textos grandes e agora já consigo.” 

“Eu não acreditava que ler era bom, mas agora gosto de ler os livros. E gostei muito destes 18 encontros com a Paula. E também com as autoras Cristina Taquelim e Mafalda Milhões e a escritora Carla Maia de Almeida.” 



 

domingo, 3 de julho de 2022

OBSERVATÓRIO DE LEITURA E ANTÓNIO TORRADO


Os Caminhos de Leitura continuam a crescer. Não se limitam a nutrir e inspirar anualmente os muitos mediadores de leitura de todo o país que rumam a Pombal para o Encontro de Literatura Infantojuvenil. Querem ir mais longe e mais fundo, fomentando a reflexão permanente em torno da seleção de bons livros. 

Na abertura da edição deste ano, foi anunciada a criação de um Observatório de Leitura, composto por 10 especialistas que irão analisar, discutir e distinguir os melhores livros para a infância publicados em todos os países de língua portuguesa com exceção do Brasil, pois a Cátedra Unesco de Leitura da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro, entidade parceira e inspiradora o projeto português, já faz esse estudo e seleção relativamente aos livros produzidos anualmente no Brasil desde 2016. A representar a Cátedra Unesco de Leitura, a professora Eliana Yunes explicou, de forma sucinta, o interessante trabalho de análise e estudo aprofundado dos livros publicados no Brasil para a sua posterior seleção e distinção.


Mafalda Milhões, Benita Prieto e Eliana Yunes

O Observatório de Leitura será coordenado pelo Município de Pombal, mais concretamente, pelas Unidade de Cultura e Unidade de Projetos Educativos, e terá a coordenação técnica de Benita Prieto. Será constituído pelos seguintes elementos, alfabeticamente ordenados:

Dora Batalim
Ieda Alcântara
Jorge Serafim
Margarida (Bru) Junça
Maria José Vitorino
Paula Cusati
Rita Pimenta
Rui Marques Veloso
Sara Reis Silva
Tâmara Bezerra




Os primeiros livros distinguidos com os selos do Observatório de Leitura serão apresentados na XX edição dos Caminhos de Leitura, em junho de 2023. A imagem gráfica dos selos ficará a cargo de Mafalda Milhões, que, durante a apresentação do Observatório de Leitura, revelou que o selo Menção Honrosa terá o nome de António Torrado. Foi um momento de profunda comoção para todos os presentes, entre os quais se encontrava Lourdes Fragateiro, viúva do grande escritor e mentor de tantos professores e mediadores de leitura portugueses.

É uma honra pertencer a este grupo de pessoas apaixonadas pela literatura para a infância e juventude. Muito grata à Sónia Fernandes, do Município de Pombal, e à Benita Prieto pelo convite!