segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Iela Mari (1931-2014)

Silenciosa, como os seus livros, Iela Mari partiu na quarta-feira passada. Houve apenas uma breve referência no Corriere della Sera de Milão. A sua morte foi sussurrada ontem nas redes sociais em Itália por Gianna Vitali, viúva do mítico Roberto Denti, da Libreria dei Ragazzi.

                                                          

(Gabr)Iela Mari nasceu em 1931, em Milão, e licenciou-se em pintura na Academia de Belas Artes de Brera, onde conheceu aquele que viria a ser seu marido e famoso designer, Enzo Mari. Em 1968, a casa editora Emme Edizioni publica o seu primeiro livro Il paloncino rosso, uma pedrada no charco da editoria infantil italiana e mundial. Páginas brancas, pormenores a traço preto fino e uma mancha vermelha que nos surpreende e se transforma a cada virar de página: um balão, uma maçã, uma borboleta, uma papoila, um guarda-chuva. E um menino, claro. Com a sua capacidade infinita de sonhar, de ler o mundo.
Contemporânea de Bruno Munari e Leo Lionni, Iela Mari deixou-nos nove livros-álbum em que as formas e as cores são devolvidas à sua essencialidade, numa profunda atenção às pequenas maravilhas que nos rodeiam, resultando daí narrativas visuais claras e concisas, mas plenas de significado e que possibilitam inúmeras (re)leituras. A sua obra constitui uma revolução e um exemplo para quem trabalha com o design, a ilustração, a comunicação, a edição e a promoção da leitura.
Em Portugal, quatro dos seus livros foram publicados na década de 80 pela saudosa Sá da Costa Infantil, na coleção VER E LER:

"Ver e Ler é uma colecção destinada às crianças de idade pré-primária, que ainda não sabem ler ou estão iniciando a sua aprendizagem da leitura. Os quatro primeiros títulos da colecção, os famosos álbuns de Iela Mari que já correram mundo, baseiam-se numa experiência de comunicação visual fundamentada em conhecimentos psicológicos da actividade lúdica e cognitiva da criança. Nestes livros tanto o argumento como o seu desenvolvimento são de grande simplicidade de modo a que não seja necessária qualquer explicação escrita. Os protagonistas das histórias são suficientemente conhecidos sã çriança e ao mesmo tempo bastante estimulantes para a sua curiosidade; fazem parte daquele mundo susceptível de a encantar - uma lagarta poisada numa folha, um balão que se perde no ar, uma borboleta que saltita, ou um pintainho acabado de nascer.

A explicação da história está implícita e é imediata, os factos tornam-se evidentes através da imagem. A leitura das imagens pode fazer-se a vários níveis, consoante o desenvolvimento da percepção e dos conhecimento da criança; se guiada pelo educador ou pelos pais essa leitura pode ser ainda mais enriquecedora."




Em O Ovo e a Galinha, A Maçã e a Lagarta e A Árvore assistimos, com precisão científica e beleza poética, aos ciclos naturais. Narrativas circulares, eternos retornos, em que a emoção habita os mais pequenos detalhes.  Neste último, a passagem do tempo é magistralmente narrada através de uma "câmara fixa" que regista as alterações cromáticas, as chegadas e partidas, na certez da capacidade de regenração da natureza incontaminada pelo homem. A Kalandraka reeditou dois destes clássicos, tendo, porém, alterado, a meu ver erradamente, o título  de  A Árvore para As Estações,  com consequente mudança do ponto de vista. 



Estudiosa da comunicação visual, juntamente com o marido, co-autor de  O Ovo e a Galinha e A Maçã e a Lagarta, no final da década de 60 e na década de 70, Iela Mari pensou os seus livros, antes de os realizar, como obras de arte em que o silêncio deixa espaço para o deslumbramento. Algo tão necessário nos dias que correm.